Portaria MCTI estabelece novas regras para FIPs que investem em empresas de base tecnológica
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) publicou, em 17 de dezembro de 2024, a Portaria nº 8.780, que reformula as normas para aplicação de recursos incentivados pela Lei de Informática (Lei nº 8.248/1991) em Fundos de Investimento em Participação (FIPs). Substituindo a Portaria nº 5.894/2018, a nova regulamentação traz um marco para a modernização do mercado, aumentando a segurança jurídica e a transparência nas operações.
Um dos pontos centrais da Portaria é a redefinição de “empresa de base tecnológica”. Essas empresas devem operar de forma intensiva em tecnologia, com foco em produtos ou serviços inovadores em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Além disso, precisam cumprir requisitos obrigatórios, como desenvolver atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) e demonstrar que a atividade principal está alinhada a códigos CNAE específicos, que serão definidos em um Manual complementar à norma.
Essas empresas devem atender a pelo menos dois entre oito critérios adicionais, como comprovar escalabilidade, comercializar propriedade intelectual ou atuar em mercados de alto potencial de crescimento, incluindo inteligência artificial, semicondutores, biotech e robótica. O objetivo é direcionar os recursos incentivados para negócios com impacto econômico e social significativo, promovendo inovação e competitividade tecnológica no Brasil.
A atualização dos limites financeiros para enquadramento como empresa de base tecnológica é outro avanço. O teto de receita bruta anual, por exemplo, aumentou de R$ 16 milhões para R$ 100 milhões. Essas mudanças ampliam o acesso aos benefícios para empresas de médio porte, permitindo que negócios mais estruturados também possam se beneficiar dos recursos incentivados.
A Portaria esclarece ainda questões relacionadas à distribuição de lucros pelas empresas investidas. Na norma anterior, a proibição de distribuir mais de 25% dos lucros durante o período de aporte gerava interpretações diversas e comprometia a atratividade para novos investidores. A nova regra limita essa restrição ao fim do ano de recebimento do investimento, trazendo previsibilidade.
No âmbito dos FIPs, a Portaria impõe novas exigências, como a exclusividade para a capitalização de empresas de base tecnológica. Adicionalmente, as cotas dos fundos não poderão ser negociadas em mercado secundário nos primeiros 24 meses após a integralização. Essas medidas visam aumentar a estabilidade das operações e proteger os interesses dos investidores durante as fases iniciais dos fundos.
A norma estabelece uma limitação na remuneração dos gestores e administradores. A soma das taxas de administração e gestão não pode ultrapassar o maior valor entre 3,5% do capital integralizado ao ano ou R$ 50 mil mensais. A taxa de performance foi limitada a 35% do resultado do fundo. Nos primeiros 24 meses de funcionamento do fundo podem ser adotadas taxas superiores.
Outro ponto relevante é o credenciamento facultativo dos FIPs junto ao MCTI. Embora opcional, o credenciamento confere vantagens significativas, como maior segurança jurídica para as empresas beneficiárias e menor risco de questionamentos sobre a prestação de contas. FIPs não credenciados podem perder atratividade, já que nesses casos a responsabilidade pela prestação de contas recairá integralmente sobre as empresas beneficiárias, aumentando a complexidade administrativa.
Além disso, os gestores dos FIPs terão novas obrigações de reporte ao MCTI. Eles deverão apresentar relatórios anuais detalhados com informações sobre as empresas investidas, análise de enquadramento nos critérios da Portaria e descrição de eventos de liquidez. Ao término do período de desinvestimento, será necessário apresentar um relatório consolidado sobre a evolução das empresas e os resultados do fundo. Essas exigências reforçam a transparência e o controle sobre a destinação dos recursos incentivados.
Por outro lado, a Portaria mantém limitações estratégicas, como a vedação de participação majoritária nas empresas, salvo em casos transitórios que atendam a condições específicas. Há exceções para setores estratégicos, como inteligência artificial e semicondutores, cujas atividades têm potencial transformador para a economia nacional.
Por fim, a Portaria introduz mecanismos para devolução de recursos não alocados, que deverão ser amortizados aos cotistas ou redirecionados para novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Essa medida garante que os recursos sejam efetivamente utilizados para fomentar a inovação, evitando a subutilização dos incentivos fiscais.
Com regras mais claras e detalhadas, a Portaria nº 8.780 representa um marco regulatório para o mercado de FIPs de base tecnológica no Brasil. Apesar do aumento na complexidade e nos requisitos, as mudanças trazem maior segurança jurídica e transparência, respondendo a demandas antigas do setor. Por outro lado, as novas regras demandam atenção redobrada quando ao enquadramento das empresas e acompanhamento dos investimentos.
Espera-se que a segurança jurídica trazida pela Portaria fomente o desenvolvimento tecnológico e atraia novos investidores para setores estratégicos de alta tecnologia.
*Ricardo Vieira é sócio do Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW), especialista (LL.M) em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais e em Direito Societário pelo Insper.
Fonte: Capital Aberto