Nova Lei da Informática não deve se espelhar em Rota 2030, dizem fornecedores
Com a previsão da publicação em agosto de medida provisória (MP) com a nova versão da Lei da Informática, players da cadeia de fornecimento para telecomunicações avaliam os impactos do processo sobre a produção de tecnologia no Brasil. Entre as principais questões em aberto está a amplitude do benefício fiscal que deve substituir o incentivo via redução do IPI, condenado no ano passado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Segundo empresas ouvidas por este noticiário, a alternativa para o setor de tecnologia precisa ser mais flexível que a adotada pelo governo no setor automotivo através do programa Rota 2030 – que também substituiu, no fim de 2018, uma política setorial condenada pela OMC por causa de benefícios fiscais via IPI. Para isso, um sistema de créditos tributários foi atrelado ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria de carros e autopeças, possibilitando abatimento de até 30% dos aportes no valor do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), limitado a 30% dos tributos a pagar.
“O crédito tributário também pode ser um mecanismo para a Lei da Informática, mas desde que dando certa liberdade que contemple a diferença entre empresas”, argumentou o diretor de relações com governo e indústria da Ericsson, Tiago Machado. “Não poderia atrelar o crédito só ao imposto de renda, pois muitas empresas não teriam base para calcular ou trabalham com lucro presumido. Outras remetem parte do lucro para fora, então não teria recursos considerável no IR para fazer compensação. Precisa ser um crédito genérico que possa se aplicar no IPI, PIS/Cofins, na folha de pagamento e também no IR”, sugeriu.
Posição semelhante foi defendida pelo diretor de relações governamentais da Cisco, Giuseppe Marrara, para quem o Rota 2030 também não deveria ser usado como modelo. “Um mecanismo de crédito tributário vai exigir muito cuidado e cálculo, levando em consideração que há modelos nos quais alguns créditos podem ser inócuos para algumas empresas. Na área de tecnologia, têm cadeias e modelos de negócios que operam com resultado operacional muito baixo. Se for só crédito no imposto de renda, não vai ser muito eficiente e pode levar à criação de um mercado secundário de crédito. Não podemos trocar um problema pelo outro”.
Desafio
Ainda que o MCTIC já tenha sinalizado que compreende a demanda do setor, o convencimento da área econômica do governo é um desafio. Situação similar ocorreu na formulação do próprio Rota 2030, quando a opção do crédito mais abrangente foi demandada pela indústria, mas sem sair do papel. “Na Lei da Informática ainda não temos indicação do caminho, mas pelo histórico o governo deve jogar como o Rota 2030 e travar [o benefício] no IR e na CSLL”, avaliou o diretor de relações institucionais da F. Iniciativas, Raphael Telles. Ainda assim, o especialista da consultoria especializada em P&D também entende que seria “mais interessante um crédito em tributos federais, pois muitas empresas do setor rodam no prejuízo”. “Para manter [o benefício] no novo nível do concedido via IPI, tem que ser esse crédito genérico”, afirmou.
Segundo Giuseppe Marrara, o pior cenário possível é uma nova Lei da Informática que acabe “em modelo sem segurança jurídica”. “Obviamente vai ocorrer um ciclo de análise entre custos benefícios e riscos frente à nova legislação”, adicionou, lembrando que países vizinhos, México, EUA e China surgem como alternativas ao investimento no País caso o “equilíbrio” da Lei da Informática não seja mantido. “Vamos avaliar se faz sentido manter o que temos no Brasil ou trazer produtos novos. Fazemos isso constantemente, mas [a revisão da Lei] será um grande motivo”. Atualmente, metade da comercialização da Cisco no Brasil é produzida nacionalmente.
“Pela revisão que está sendo proposta, não deve ocorrer nenhum problema ou grande impacto”, afirmou, por sua vez, o CCO da Prysmian no Brasil, João Carro Aderaldo. “Deve aumentar o investimento que precisaremos fazer em P&D, mas no geral, dentro do que está sendo proposto, não interfere na nossa estratégia“, completou o executivo. De acordo com Carro, a proposta que vem sendo trabalhada deve mesmo ter semelhanças com o Rota 2030, o que também não desperta objeções específicas na fornecedora de cabos e sistemas óticos. Já a possibilidade da MP não ser convertida em lei dentro do prazo necessário poderia gerar “turbulências” para a indústria, observa.
Assim que publicado, o texto com a nova versão da política precisa ser aprovado até o fim de dezembro, estando em vigor já no primeiro dia de 2020, conforme definição da OMC. O prazo de quatro meses a partir de agosto é visto como desafiador e deve exigir interlocução intensa entre MCTIC, Economia, Itamaraty e o Legislativo, avaliam os executivos ouvidos. “Vai acontecer muito diálogo e um pouco de bate boca”, prevê Marrara, que acredita na “tração” do tema entre os parlamentares. “O que não pode é chegar em dezembro e precisar de acordo para votar”.
PPBs
Além da substituição do subsídio indireto através do IPI, a OMC também determinou a revisão das exigências de tecnologia nacional para acesso aos benefícios da Lei da Informática. Dessa forma, foram publicadas novas cotas para dezenas de produtos cujo processo produtivo básico (PPB) continha, entre as etapas produtivas exigidas, o uso de outro produto com exigência de PPB (o chamado “nested PPB”, ou PPB dentro do PPB).
Com a publicação dos novos PPBs (incluindo o de equipamentos para estações radiobase), foi instituído um sistema de pontuação em que cada etapa dá um certo número de pontos para a empresa, que deve alcançar um mínimo para atingir a exigência de produção no Brasil. “Foi muito bem-vindo acabar com o PPB dentro do PPB, pois o custo no Brasil de alguns componentes era 200% a 300% acima do valor global”, afirma Giuseppe Marrara, da Cisco.
“O mercado vai passar por um processo de readequação [aos novos PPBs], talvez haja alguns pedidos para que se reveja alguns pesos de pontuação, mas importante que eles não estão gravados em pedra”, complementa Tiago Machado, da Ericsson. “Mas se vamos conviver com essa estrutura pelos próximos cinco ou dez anos, devemos dar peso para área de software e serviço, que ainda não está contemplada. Se pensar quanto do nosso faturamento e do investimento das operadoras que migrou de hardware para software, [o foco] não pode ser só peças e componentes”.
Fonte: Teletime